Caro Senhor Stieglitz
Thais Rivitti
Crítica e Historiadora da Arte Alfred Stieglitz (1864 -1946), o destinatário dessa nova série de trabalhos que Marcelo Moscheta apresenta no Centro Cultural São Paulo, foi um fotógrafo norte-americano que dedicou a vida a tentar elevar a fotografia à categoria de arte numa época em que esse debate estava sendo travado. Entre seus trabalhos destacam-se fotos de nuvens que realizou em torno da década de 1930 e que servem de inspiração para alguns dos trabalhos do artista brasileiro.
As imagens que vemos nos seis quadros que compõem a obra “Caro Sr Stieglitz” são manchas esbranquiçadas muito sutis sobre um fundo preto. Imediatamente, somos reportados ao universo da fotografia: além das imagens serem em preto e branco elas captam um instante no movimento contínuo que as nuvens fazem no céu.
Mas sua semelhança com a pintura também é inegável: trata-se, essencialmente, da aplicação de matéria sobre uma superfície plana. A substituição da tela tradicional por uma placa de PVC preto é algo a ser observado. O PVC (policloreto de vinila) é um composto químico presente em produtos como peças de carro, utensílios médicos e de cozinha, móveis de jardim entre outros. É um material que pode se apresentar em diversas cores e formas, mas com o qual estamos acostumados, fazendo parte assim do campo dos objetos cotidianos.
O artista desenha sobre essa superfície usando apenas grafite e borracha. Ao desenhar e apagar sobre o PVC, essas ações ficam marcadas em sua superfície formando imagens que reconhecemos como nuvens: formas instáveis, movediças e vaporosas.
De certa forma, muitos dos trabalhos de Moscheta realizam uma investigação sobre a formação das imagens, um momento localizado antes do “perceber algo”.
Seus trabalhos em que pequenos quadrados monocromáticos formam um grande mosaico, ou mesmo aqueles que consistem em sutis escavações no isopor, formando baixo-relevos quase imperceptíveis, compartilham da mesma questão. Buscam capturar o momento em que somos atingidos por dados externos e conseguimos agrupá-los de modo a formar, a partir deles, um todo com significado.
Nos trabalhos de Moscheta materiais como o isopor e o PVC adquirem um estatuto que não têm no cotidiano. Retirados de suas funções práticas corriqueiras eles se tornam suportes para o devaneio. Sofrendo intervenções notadamente silenciosas e delicadas, os materiais banais tornam-se capazes de captar esse momento fugidio em que olhamos para algo – ainda inominável – antes que se torne uma imagem.
texto para a Mostra do Programa de Exposições do CCSP, 2006.