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As Paisagens Sublimes de Marcelo Moscheta
Ricardo Resende

Curador Independente



No começo século do XIX os artistas descobriram que poderiam pintar a natureza como a sentiam, e não mais sua simples representação pictórica.

Marcelo Moscheta, artista paulista que vive em Campinas, já deve estar acostumado com as paisagens “monótonas” na sua aparente calmaria, a se perderem de vista no horizonte do interior do estado de São Paulo. Dramáticas, se deixam predominar pelo verde esmaecido formado pelas plantações da cana-de-áçucar que tomam conta da região. São campos monocórdicos acobertados por um gigantesco céu de um azul meio acinzentado, igualmente meio esmaecido. Características que dão à região uma certa melancolia, só quebrada quando nuvens brancas entremeadas de ora cinzas ora negras, passam por aquele céu.

Em meio a esta “monotonia” que descrevo, o que se percebe nos desenhos “inventados” do artista, como Still, ou na série Branco Gelo, é, pelo contrário, um mundo muitas vezes soturno e também em constante transformação. Uma atmosfera poética que nos espreita no silêncio aterrador dessas paisagens desenhadas, onde a arte se mistura com experiências vividas.

Em Céu/Lugar ou então em Still, o artista repete um gesto romântico como o artista inglês Alexander Colzens (c.1717-1799), o de olhar para as nuvens e observar os seus movimentos e transformações.

As nuvens são formações etéreas de partículas de água suspensas na atmosfera. Com estes desenhos de memória do que foi contemplado na natureza, Moscheta nos fala de maneira simples da nossa transitoriedade na terra. Ao se observar atentamente tais desenhos e os das outras séries, tem-se a sensação de que se olha não a uma imagem congelada, mas a uma paisagem cujo elemento principal está em um lento e constante movimento, quase morto. Como se não existisse ali o instante, mas apenas a noção imperceptível do entrementes, entre um e outro momento. Entre um quadro congelado e outro. É como percebemos, por exemplo, a construção do movimento das imagens no cinema.

Estética que acaba por trazer à estas paisagens um questionamento sobre a representação do que se vê, como a realidade no mundo que habitamos. Não se sabe diferenciar o que foi imaginado do que foi realmente vivenciado pelo artista. Os desenhos confundem a nossa percepção para identificar o que é verdadeiro ou fantasioso nestas paisagens silenciosas.

O resultado de sua fatura que resulta em imagens/desenhos perfeitos, de um mundo que fica entre o falso e real, uma dicotomia que mais lembra a fotografia em preto e branco, daquelas meio rudimentares, onde podemos perceber a granulação da imagem. Como se fossem vistas instáveis, captadas pelo olhar mecânico da fotografia, de um mundo que se desmaterializa lentamente, imperceptível à nossa compreensão (incompreensão?) contemporânea da passagem do tempo.

Este resultado lhes confere um sentido sublime, como o que se percebia no romantismo. São vistas distantes, que na analogia desse movimento artístico do final do século XVIII e começo do XIX, poderiam ser a representação do paraíso.

Mas que paraísos seriam estes de Moscheta? Nas suas vistas panorâmicas parece não haver lugar para o homem. O que se vê são ambientes naturais desolados e hostis à sua presença. Uma dramaticidade só vista em seu sentido simbólico nos céus turbulentos e mares revoltos das pinturas de Willian Turner (1775-1851); este outro pintor inglês que, no auge do romantismo europeu, expôs com eloqüência os “medos” do mundo na sua época.

As paisagens de Marcelo Moscheta recuperam emoções adormecidas na virtualidade da era contemporânea, em que vivemos mediados por imagens digitais, sem materialidade. O artista recupera o fazer artesanal e meticuloso nos seus desenhos. Um trabalho físico de fato, ao se debruçar sobre a superfície de uma folha de PVC, suporte para suas imagens, e pacientemente criar sua arte. Os desenhos (ou pinturas) a grafite são resultados encorpados, de um complexo processo artístico que se dá em diversas etapas.

As imagens “fotográficas” surgem do apagamento de uma superficie que, inicialmente coberta pelo grafite, transforma-se em uma “espessa” camada de pó que se acomoda sobre o suporte plástico, sem no entanto se fixar. Na sequência é meticulosamente retirado/apagado com borracha que resultam em áreas claras e escuras sombreadas que formam esses lugares silenciosos e suspensos que habitam nossa memória.

O artista nada mais faz do que nos permitir a contemplação de um mundo misterioso no plano do desenho, do qual estaríamos destacados pelo vazio que nos distancia da parede e o outro lado em que o habitamos como observadores e nada mais.


texto para o catálogo da individual [ZERO] - Leo Bahia Arte Contemporânea, 2007.