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Algumas breves notícias sobre a existência do mundo
Marcus Lontra

Crítico e Historiador da Arte



...há, entre as coisas do mundo chamadas concretas, um real compromisso com a tradição.
Trata-se de estabelecer um diálogo constante com o ofício, com o burburinho das oficinas, o instrumento essencial do fazer, a matéria, a chapa, o ato de triturar o trigo, de fazer o pão, de elaborar a matéria da arte entre os silêncios, lapsos, ausências, tempo que opera, que transforma e acaba por dar sentido ao velho e ao novo, à permanência e à Vida...

...há, entre as idéias do mundo chamadas abstratas, um compromisso com a paisagem, com o Ser que nos rodeia e nos justifica, com a essência verdadeira da bíblica paisagem, local ideal, paraíso da felicidade, paisagem que perpassa o tempo e o espaço, que fundamenta a arte como uma arena encantada do homem e de seus leões, seus desejos, suas vontades, seus pecados, suas maçãs rubras e suas serpentes, seus medos, sua Verdade...

...há, entre as cavernas do mundo, uma vontade de reconstruir a sua própria memória, de transformar essa matéria ausente, etérea, em forma definida, em razão, em princípio: o passado é fonte, é jorro, tesouro e inspiração. Por tantos caminhos, por quantos castelos, carrego o meu calvário, calcino o meu esqueleto, incinero a minha carne e corporifico o real através desses resíduos, desses fragmentos, desses restos, desse Pó...

...há, entre os espelhos do mundo, uma vontade de refazer a sua imagem perdida, mais austera, mais sublime, mais completa, um compromisso da arte de se acreditar companheira perene do homem em seus mais nobres princípios. Por isso fazemos, por isso idealizamos, pelo mundo onde vivemos, para o mundo que criamos, persiste a eterna vontade de ampliar horizontes, de refletir e ampliar o real, recriar, refazer, transformar a Vida...

...há, nas obras de Marcelo Moscheta uma determinada intenção de valorizar aspectos atemporais presentes na composição artística. Ele sabe que a arte é mais do que a ponte, ela é a travessia. Por isso as suas imagens têm a contundência dos elementos que perseguem a integridade e estabelecem uma poética estruturada a partir de todo um processo no qual o pensamento e o fazer se articulam de uma maneira inteligente e sensível.

...há, nessas poderosas imagens, a idéia de se construir, através da modulação, um corpo organizado onde todas as partes se articulam na formação de uma linguagem coerente, assinalando uma clara opção pela identidade artística, com isso recusando uma espécie de velocidade do anonimato que caracteriza grande parte da produção contemporânea. O ritmo das obras do artista é ditado pela plácida e sublime exigência do olhar...

...há, em meio a tanta crise, a tanta histeria, a inexorável certeza nos valores fundamentais que fundam a atividade artística. A obra inspira-se nas imagens fornecidas pelo tempo, alimenta-se da memória que percorre as paisagens internas e externas do mundo, aspira os ventos da liberdade e conclama a iminência da eternidade.Tudo aqui conspira a favor do caráter subversivo das histórias, da força extraordinária das lembranças...

...há, em meio a tanta ausência, espaço para aquilo que nasce das entranhas do homem, que brota do ventre da terra, que surge das águas misteriosas. Entre os “sonâmbulos nos museus” a obra de Marcelo Moshetta não recusa a força poderosa da identidade, do “corpo” em sua acepção mais ampla e poética. Como uma antiga caravela que singra os mares de nossa infância, ela repousa, bela e poderosa, em nossas retinas encantadas...


texto para o catálogo da individual Notícias da Existência do Mundo - Fundação Jaime Câmara, 2005.